ONU avalia sistema dos apanhadores de sempre-vivas no Vale do Jequitinhonha

Comunidades tradicionais de apanhadores de flores sempre-vivas, espécie nativa da Serra do Espinhaço, no Vale do Jequitinhonha, estão perto de conseguir o reconhecimento como Sistema Agrícola Tradicional de Importância Mundial (Sipam). O selo é concedido pela Organização das Nações Unidas (ONU), por meio de sua Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). A agência lidera os esforços internacionais para erradicação da fome e da insegurança alimentar e dá especial atenção ao desenvolvimento das áreas rurais, onde vivem 70% das populações de baixa renda no mundo e que ainda passam fome.

Os grupos tradicionais preservam técnicas seculares de manejo da terra e desenvolvem em seu território uma relação sustentável com a natureza. O reconhecimento da FAO será uma valiosa conquista para as comunidades Pé de Serra, Lavras, Macacos, Vargem do Inhaí, Mata dos Crioulos e Raiz, as três últimas quilombolas, localizadas nos municípios de Buenópolis, Diamantina e Presidente Kubitschek.

“Trata-se de um reconhecimento de extrema importância não apenas para Minas Gerais, mas para o Brasil. No mundo, somente 57 sistemas conquistaram este selo até hoje. Desse total, apenas três na América Latina”, explica Márcia Bonetti, coordenadora técnica estadual da Emater-MG, instituição vinculada à Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa).

Um comitê científico da FAO esteve na região 28 e 29/7 para avaliar a pertinência da candidatura ao selo, o envolvimento dos governos local, estadual e federal, da Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex) que representa os apanhadores e das universidades. O representante da FAO no Brasil, Rafael Zavala, ressalt a importância de todas as instâncias trabalharem juntas no processo de certificação. “O desafio é fazer funcionar este mosaico institucional. É uma grandiosa oportunidade para criarmos um exemplo do Sipam a ser seguido no Brasil e até na América Latina”, observa.

Essa também é a avaliação do coordenador do grupo de pesquisadores do Sipam, Mauro Agnoletti, que reforça a importância dessa sinergia. “Estou bastante impressionado com a participação das autoridades públicas em todos os níveis. O importante agora é comunicar ao mundo o que vimos aqui. Precisamos convencer pessoas como eu a vir e se apaixonar pelo lugar. Toda essa produção tradicional raramente tem acesso ao grande mercado”, destaca.

Para conquistar o selo, as comunidades ainda precisam vencer algumas etapas. A primeira ocorreu no ano passado, quando formalizaram sua candidatura com a entrega de um dossiê à FAO Brasil. A solenidade foi durante o I Festival dos Apanhadores e Apanhadoras de Flores Sempre-Vivas, realizado em junho de 2018, em Diamantina. A candidatura recebeu o apoio de pesquisadores, acadêmicos e membros de órgãos públicos que ajudaram a construir o documento. A avaliação final acontecerá em mais um encontro, ainda este ano, em Roma, capital italiana.

Visita

No primeiro dia dos trabalhos, uma comitiva, composta pelo avaliador e por representantes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da FAO Brasil, da Codecex, da Emater-MG, do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG), da Seapa, e a pesquisadora da USP Fernanda Monteiro, percorreu a comunidade Mata dos Crioulos para conhecer as particularidades deste sistema agrícola tradicional. A pesquisadora mineira ficou otimista em relação à impressão causada nos avaliadores. “Foi possível conhecer, entre outras coisas, a belíssima cultura alimentar que o pessoal dessa região possui. Acredito que os avaliadores puderam compreender a grandiosidade do sistema”, ressalta Fernanda.

À noite, o grupo foi recebido pelos prefeitos, pelo secretário de Estado de Cultura e Turismo (Secult), Marcelo Matte, e pela secretária de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), Ana Valentini, para um jantar preparado com produtos locais pela chef Tanea Romão, em parceria com cozinheiras das comunidades. Marcelo Matte deixou clara a intenção da Secult em apoiar essa atividade econômica exclusivamente mineira e tradicional. “Vamos trabalhar em políticas públicas capazes de garantir a dignidade dessas comunidades. O programa da FAO reforça a importância que esses grupos têm para Minas e para o mundo”, afirma.

A secretária de Agricultura, Ana Valentini, também fez questão de destacar a importância de se trazer o selo para o Brasil. “Ele vai chamar a atenção para a necessidade de envolvimento de todos na preservação da história do sistema dessas comunidades, dessa cultura riquíssima, que vem de muitas gerações”, sinaliza.

De acordo com a presidente do Iepha-MG, Michele Arroyo, o sistema agrícola tradicional também tem relevância como patrimônio cultural. “Temos muito a aprender com as comunidades para conseguir contar e registrar esses saberes e patrimônio cultural como um processo dinâmico, que no caso se chama ‘Plano de Salvaguarda’”, comenta.

No segundo dia de missão em Diamantina, o governador Romeu Zema confirmou o interesse do Estado em apoiar a candidatura ao selo. “A iniciativa é totalmente procedente, importante e relevante. Nós queremos ser o promotor do desenvolvimento e de melhorias para quem quer trabalhar”.

O sistema

Os apanhadores de flores sempre-vivas habitam a porção meridional da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais. Além da coleta das flores, as comunidades realizam outras atividades produtivas que garantem a complementação de renda e segurança econômica e alimentar, como roças, criação de animais e coleta de produtos do agroextrativismo, a exemplo de frutos e plantas medicinais.

O grupo integra uma categoria de comunidade tradicional, certificada pela Comissão Estadual dos Povos e Comunidades Tradicionais (CEPCT-MG) e amparada pela Política Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais.

As características do Sistema Agrícola Tradicional dos Apanhadores de Flores Sempre-Vivas que possibilitaram a candidatura ao programa da FAO são a utilização combinada de diferentes altitudes, que vão de 600 a 1.400 metros de altitude; elevada biodiversidade; conhecimentos tradicionais sobre o uso das áreas, gerando distintos agroambientes que resultam em paisagens manejadas; abundância hídrica; reserva de biodiversidade nativa; biodiversidade agrícola; e riqueza cultural.

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