Veneno no prato: agrotóxicos fazem 1 vítima por dia em MG

Enquanto para os ruralistas grande parte dos alimentos que vão parar no prato dos brasileiros estão cheios de “defensivos fitossanitários” que são “ferramentas imprescindíveis na agricultura para garantir alimento mais seguro e barato na mesa da população”, para pesquisadores da área ambiental dois terços do que os brasileiros comem contêm agrotóxicos que causam danos às plantas e aos animais e geram recordes de intoxicações todo ano no país.

Essa polarização que vem dividindo o Congresso nas últimas semanas se deve à votação do Projeto de Lei (PL) 6.299/2002, cuja discussão ficou parada por quase 14 anos e foi retomada em 2016. Por meio de notas técnicas e artigos, diversas instituições já se manifestaram contrárias ou favoráveis ao projeto – entre os críticos, um grupo de 329 ONGs. Se aprovado, o PL modificará uma série de procedimentos.

Na última segunda-feira, a Comissão Especial da Câmara que analisa o PL aprovou, por 18 votos a 9, o relatório do deputado Luiz Nishimori (PR-PR), que será levado ao plenário da Câmara.

A deputada Tereza Cristina (DEM-MS), presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), se diz favorável à “Lei do Alimento Mais Seguro” porque, segundo ela, a lei atual (7.802, de 11 de julho de 1989) não acompanhou a evolução da agricultura. “Nos últimos anos, pesquisas científicas desenvolveram substâncias mais modernas e inovadoras e que hoje chegam com dificuldade às lavouras pela defasagem da legislação”, diz.

O projeto, no entanto, gerou reação até da Organização das Nações Unidas, que enviou carta ao governo brasileiro alertando contra o “Pacote de Veneno”, como vem sendo chamado o PL, ressaltando que quase todas as mortes por envenenamento no mundo ocorrem em países onde, segundo eles, as leis ambientais são “fracas”.

O projeto é um “retrocesso” que vai na contramão do que vem sendo praticado na Europa e nos Estados Unidos, diz o membro da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, Alan Tygel. “A aprovação do PL não tem legitimidade porque partiu de um processo extremamente autoritário e dominado pelos interesses de multinacionais que controlam o setor agroquímico”, opina.

O professor, biólogo e pesquisador da Fiocruz Fernando Carneiro, membro do grupo temático Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), também compartilha dessa visão. “Há quase 60 anos a bióloga norte-americana Rachel Carson escreveu o livro ‘Primavera Silenciosa’, sobre os impactos dos agrotóxicos, e isso acabou regulamentando a questão e gerando a criação da Agência Ambiental nos EUA. Aqui é o contrário. A gente faz um dossiê, e eles não só fecham os olhos para as evidências, como fazem uma lei para piorar a situação”, afirma.

Conforme dossiê da Abrasco, a dieta dos brasileiros é rica em agrotóxicos, inclusive os mais tóxicos. O brasileiro consome mais de cinco litros dessas substâncias por ano, sendo 14 deles proibidos mundialmente. Exames realizados pela Proteste em 2016 também mostraram que mais de um terço das amostras de oito tipos de alimentos tinha agrotóxicos ilegais. Testes toxicológicos feitos pelo Greenpeace encontraram risco em 60% das amostras de alimentos.

Com os pesticidas “temperando” a comida dos brasileiros, em 2017 o país registrou 3.859 casos de intoxicação, mais de dez por dia. Minas Gerais é o segundo Estado no ranking nacional de intoxicações por agrotóxico agrícola, com 491 casos, atrás de São Paulo, com 605. Pesquisadores estimam, porém, que, para cada caso registrado, outros 50 ocorrem sem notificação ou com notificação errônea.

Como recentemente também foi desengavetado o Projeto de Lei 6.670/2016, que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pnara) – cuja campanha a favor de sua aprovação já reuniu mais de 760 mil assinaturas online –, Alan Tygel duvida que o PL 6.299/2002 seja colocado em votação. “Também estamos em um momento pré-eleitoral, e essa pode ser uma medida bastante impopular”, diz.

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